quinta-feira, 16 de agosto de 2012


CRÔNICA DA SEMANA

NA VIDA, O QUE É BELO É SER TOCÁVEL
(Aline Menezes)

Ao longo de nossa vida, carregamos conosco grande quantidade de material corrosivo, o qual destrói aqueles que atravessam o nosso caminho e, principalmente, contamina a nós mesmos. 
Tenho aprendido que a nossa interioridade é indecifrável, que ninguém (nem eu, nem você) tem condições de definir ou explicar tudo o que nos constitui internamente. Há uma parte da existência humana que é incapturável. Por mais sensíveis que sejamos (e alguns têm sensibilidade extremada e bela), é tarefa insana querer compreender completamente o que existe de mais profundo em nossa alma. Resta-nos apenas a abertura para enxergarmos o mais longe possível, a fim de não nos tornarmos indiferentes à dor alheia, nem muito menos à dor que nos envolve, para não nos tornarmos cínicos. 
Ainda tenho muitas dificuldades de me recuperar após uma experiência de dor e sofrimento. Os meus passos, se em direção ao comportamento dos resignados, são quase sempre lentos e desproporcionais. Isso porque as minhas experiências negativas ganham em mim dimensões gigantescas. Sou um ser exagerado, até nas escolhas das palavras e das expressões: sou a hipérbole do mundo. 
Às vezes, percebo nas pessoas (e em mim) coisas tão diabólicas, que me assusto. Vejo e sinto a atmosfera do ambiente físico, emocional e afetivo. Estou em contato com a pele, sempre, mas a pele de dentro. Sinto tudo de maneira bem particular, bem íntima. Absorvo a vida. Porque, não nos enganemos, somos impelidos para a morte. 
Mas, como eu disse, carregamos conosco grande quantidade de material corrosivo. Tem gente que é pura acidez. Que é tóxica. Às vezes, somos todos assim. Exalamos substâncias que provocam queimaduras, danificam irreversivelmente o que antes era tecido ou matéria viva. 
É necessário ter olhar atento para perceber o outro em meio a tantas agitações. É necessário observar o corpo que se move em nossa frente. É necessário ter cuidado, saber segurar delicadamente a respiração do outro. A indiferença às experiências humanas é algo doloso. 
De modo definitivo, não sou o tipo de pessoa que acha a vida linda, não vejo razões para isso. As pessoas, quase sempre, são seres insuportáveis, dissimulados, vaidosos e egoístas; o mundo, uma insanidade estúpida, hipócrita e desnecessária. Porém, incrivelmente me adapto à constatação de que há muita beleza por aqui. Que é possível continuar lutando e absorvendo o que ela, a vida, tem de melhor. E ela tem muita coisa melhor e bela! É possível evitar que substâncias corrosivas atuem sobre nós e sobre os outros. 
Muitos de nós já fomos tão corroídos (e já corroemos), que nos tornamos incapazes de permitir contato. Rendemo-nos à própria bolha formada em todo o nosso corpo. Sentir o toque é algo necessário e essencial à existência. 
Precisamos nos render a tudo que é belo, a tudo que é delicado, a tudo que é único. Precisamos estender o nosso corpo sobre o tapete de seda, fechar os olhos com segurança e sem medo, respirar devagar, pausadamente, e sentir quando alguém ou algo nos toca de modo profundo. 
Precisamos, de uma vez por todas, deixar as mãos afáveis da vida cuidarem das nossas queimaduras, das bolhas, umedecerem a secura causada pelas experiências negativas, penetrarem a pele e alcançarem a alma novamente. Porque, na vida, o que é belo é ser tocável.

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