domingo, 31 de julho de 2011

UM DEDO DE PROSA

A PARTIR DOS QUARENTA

Sinto que o meu prazo de validade está perto do fim. Não que eu seja pessimista!... mas os sintomas deixam transparecer isso: há quase um mês uma gripe das “brabas” se apossou de mim e, mesmo à custa dos inúmeros remédios que me foram receitados pelos “doutores” (inclusive os caseiros), ela não pensa em me deixar tão cedo.
Talvez eu esteja sendo exagerado (ou mofino) demais, mas acontece que outras ziquiziras me acompanham já faz um bom tempo: sinusite, rinite alérgica, cólicas renais, cefaleias, almorreima, enfraquecimento das retinas, cegueira noturna e outras enfermidades típicas da idade que avança na velocidade da luz e provoca o enfraquecimento natural do nosso organismo, deixando-nos vulneráveis às moléstias senis.
Ouvi muito dizerem que “a vida começa aos quarenta”, e por isso passei a fazer a contagem regressiva até me tornar um quarentão cheio de vida. Hoje, aos cinquenta, posso afirmar, com propriedade, que essa história de a vida começar aos quarenta não é mito nem lenda!... É verdadeira!. Foi justamente a partir dos quarenta que a minha vida nos hospitais, nos laboratórios de análises clínicas e nas farmácias começou. Desde então, comecei a perceber o quanto o tempo é implacável e não perdoa nada nem ninguém. Nem mesmo as pedras resistem à ação do tempo!...
Porém, um consolo ainda me resta: tenho em mim um órgão - cuja função venérea jamais deixou a desejar – em perfeito estado de conservação. É ele, para mim, o motivo de “grande” orgulho, pois, dentre todos os órgãos que possuo, é o único que “não anda causando MAL a ninguém”...
MEUS VERSOS LÍRICOS

VOA, PENSAMENTO!...
(Joésio Menezes)

Voa, pensamento, voa!..
E traze-me do além
Notícias de um certo alguém
Que há muito me atordoa.

E quando estiveres à toa,
Leva para lá, também,
As chagas que o meu peito tem,
A saudade que em meu peito ecoa.


Voa e busca no horizonte
Destes versos a viva fonte,
Deste poema o sentimento,

Pois, vorazmente a saudade
Judia meu peito, sem piedade,
Por isso suplico: voa, pensamento!..


ENCANTAMENTO
(Joésio Menezes)

Canto...
Mas não a encanto.
Talvez seja esse
O motivo do meu pranto.

Talvez seja esse
O motivo do meu sofrimento,
A razão da minha angústia,
A causa do meu tormento.

Talvez seja esse
O motivo da minha fraqueza,
A razão da minha insônia,
A causa da minha tristeza.

Talvez seja essa
A causa do meu encanto,
A razão do meu viver,
A força do meu canto...
O MELHOR DA POESIA BRASILEIRA

ISMÁLIA
(Alphonsus Guimaraens)


Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...


E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar..


LI UM DIA, NÃO SEI ONDE
(Florbela Espanca)

Li um dia, não sei onde,
Que em todos os namorados
Uns amam muito, e os outros
Contentam-se em ser amados.

Fico a cismar pensativa
Neste mistério encantado...
Diga prá mim: de nós dois
Quem ama e quem é amado?...
CRÔNICA DA SEMANA

OS FRADES
(Vanilson Reis)

Hoje, 31 de dezembro, último dia do ano.
Apesar de algumas tristezas ainda no meu peito, que me causam muita dor, estou muito bem, pois Jesus Cristo é um ser perfeito que não abandona o homem. Meus amigos frades não arredaram os pés do lugar em que sempre estiveram: em um rack cor de marfim. Os frades e eu não conversávamos há muito tempo, mas não há nada demais. Não estou escrevendo ultimamente porque a inspiração fugiu de mim como o passarinho que foge da arapuca quando descobre que ela o assusta. Juro que, até mesmo hoje, eu não estava preparado para conversa nenhuma. Ando muito casmurro, feito os personagens de Machado de Assis no livro Memórias Póstumas de Brás Cubas. Eu sinto uma dor terrível no coração. Para dizer a pura verdade, não sei se é mal de tristeza ou ansiedade por saber o sentido próprio da morte. Penso assim: “por que será que as pessoas morrem tão de repente, da mesma forma que morrem centenas de pássaros”?!
Não quero, aqui, classificar a morte dos pássaros como um ato insignificante. O que pretendo, na realidade, é comparar a queda dos corpos numa planilha de valores reais. A Bíblia diz que todo homem é somente vaidade. Então, o homem existe porque é todo vaidade, e a vaidade desse homem é o princípio do prazer que ele sente pela vida. O pássaro não tem alma, não pensa, mas carrega consigo a certeza de que é livre para voar no universo da Terra. Não seria o caso de classificar o homem e o pássaro numa cadeia elementar de valores?! Porque, com isso, o próprio homem conscientizar-se-ia, definitivamente, de que o amor existe para sempre, entre os homens e os pássaros.
Neste ano, a minha roda de amigos ficou bem menor, principalmente com as mortes de Osmar Pereira de Oliveira - o popular Vovô -, Wilmar Calasans e Naninha. A partida dessas pessoas significou para mim um verdadeiro racha nessa roda que era tão confeitada de respeito e harmonia. A gente não se conforma com a morte, mesmo que seja patrimônio particular do vizinho. É uma coisa incrível com que o homem tem convivido desde o início do mundo. Quantos homens cultos existem nessa vida?! Todos já leram sobre a filosofia da morte!... Mas não aprenderam praticamente nada que pudesse calar o pranto e secar também as lágrimas do ser humano.
A verdade é que tudo não passa de um mistério na Terra. Eu mesmo, amigos frades, sou um homem fraco, totalmente podre, que vai à igreja, mas não aprendeu a maneira certa de rezar. Pena que a minha postura e a postura de vários homens não são o suficiente para convencer o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Jesus Cristo é o símbolo da fé que conduz o verdadeiro cônjuge da religião humana; a igreja não precisa ser linda e o padre ser estrangeiro, o importante é a cerimônia que há entre o Criador e a criatura.
Deus é uno e jamais uma legião de deuses na Terra e no Céu. Não acredito que o Céu seja melhor que a Terra; se eu acreditasse, amigos frades, não estaria aqui, reclamando da grande perda dos amigos que partiram na companhia de Deus. - Eu sou, como Pedro, meio santo e meio homem.

domingo, 17 de julho de 2011

UM DEDO DE PROSA


EU, UM PRODUTO DO MEIO?!

Mais um final de semana chega ao fim. E o que foi que eu fiz de útil nesses dois dias de “descanso”?. Nada!...Simplesmente nada!... Nada além de ficar em casa assistindo aos programas incultos que a televisão aberta nos oferece aos sábados e, principalmente, aos domingos. Programas estes destinados àqueles que se dão por satisfeitos com o simples fato de estarem em casa diante da TV, que nada de enriquecedor -- no que diz respeito à instrução ou à Cultura - lhes proporciona.
Se “o homem é produto do meio” em que vive, sinto pena do que fui nesses dois últimos dias: um ser de mente vazia e sem perspectiva de vida alguma; um ser incapaz de renegar o seu ostracismo mental em prol de algumas horas de inércia intelectual em frente à TV; um zumbi-marionete, manipulado pelas grandes emissoras que nos vendem “enlatados” tão medíocres quanto nós, que nos deixamos envolver por programas que nada acrescentam às nossas vidas...
Felizmente, amanhã terei a oportunidade de me refazer da “lavagem cerebral” a que me submeti durante o final de semana que ora termina. Felizmente, amanhã tudo deverá voltar ao normal e – espero eu – teremos tempo de melhor nos preparar para o próximo final de semana, a fim de que não nos deixemos ser novamente manipulados pela mediocridade televisiva.
MEUS VERSOS LÍRICOS

A MICROSSAIA
(Joésio Menezes)

Outro dia em sala de aula
Vejam o que me aconteceu:
Estava eu estudando
Quando ela apareceu.
Entrou sorrateiramente
E ao meu lado foi sentar-se,
Perguntou-me o que estudava,
Respondi - “É sintaxe”.


Sem desviar a atenção
Continuei estudando,
Quando lá bem ao fundo
Ouvi alguém me chamando.
Virei-me lentamente
Para atender ao chamado
E tive uma doce surpresa,
Ela ainda estava ao meu lado.

Porém, surpresa maior
Eu tive ao perceber
Que ela usava minissaia,
Coisa linda de se ver...
Um colírio aos meus olhos,
Negar isso eu não faço,
Mas uma afronta aos meus nervos
Que são fortes, mas não de aço.

Além das suas lindas pernas
A minissaia também mostrava
As rendinhas transparentes
Da calcinha que ela usava.
Daí por diante, vejam vocês,
Foi-se embora a concentração
E os meus nervos adormecidos
Entraram em erupção.

O grande motivo da erupção
Não foi só a sua calcinha,
Mas também algo interessante
Que dentro dela eu sei que tinha.
Nesta vida acreditava em tudo,
Até na estória da Cinderela,
Só não acreditava que um dia
Pudesse ver a calcinha dela.


SIM, EU ME LEMBRO!...
(Joésio Menezes)

Como eu haveria de esquecer
Meu jeito tímido e o teu calado
Se naquela noite não pude deter
O ímpeto do teu “beijo roubado”?

Como não haveria de enternecer
Aqueles olhares apaixonados
Que trocamos ao anoitecer
Antes de estarmos ali abraçados?

Como não haveria de me lembrar
Do lirismo deixado no ar
Pelas nossas poesias desmedidas?...

Está difícil, também, esquecer
O que depois viria a acontecer:
A nossa traumática despedida!
O MELHOR DA POESIA BRASILEIRA

LUA ADVERSA
(Cecília Meireles)

Tenho fases como a lua.
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.

Fases que vão e vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.

E roda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases como a lua...)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu...


CHAMAS UNIDAS
(Madalena Barranco)

Pontos unidos
em chamas
sou
braços, corpo e pavio curto.

Sorriso dançarino
sobre
o palco de uma vela acesa.

Amigo de maga miúda
fiel confidente
purifico-lhe o ambiente.

Uno este fogo incerto
ao coração portador de uma muda,
feita de jaz por mim... Bela estrela.

Chama que és, velada à minha
tremeluzo ao te ver
em flor vermelha,
quando espero pelas velas brancas
que risques o fósforo mais uma vez.
CRÔNICA DA SEMANA

POR QUE NÃO FALAR DO SOL? - A DIVINA COMÉDIA

por Ana Luísa Vasconcellos

Desde aquele dia na pequena igreja do bairro quando aquele cachaceiro de braços finos e duros a ergueu tomando-lhe de súbito as axilas e rindo que ela soube: jamais teria sucesso na vida. E assim foi, a menina cresceu, esqueceu-se daquele episódio mas nenhuma sorte daquelas graúdas, que mudam a direção da sua vida para melhor, que lhe colocam em um novo mundo colorido e agradável tinha lhe acontecido. Ela sabia que esse tipo de sorte não era com ela, só as triviais: ganhar um convite para o cinema, uma bolsa na promoção do supermercado, aquele táxi que passou na hora certa quando estava atrasada, conseguir encontrar um banheiro a tempo quando não podia mais segurar; e também aquelas sortes estáticas que muitos chamam de anjo da guarda e impedem que coisas más ou trágicas lhe aconteçam, como quebrar um membro, sofrer acidentes, violências, abandonos; mas a grande sorte, a sena, o príncipe encantado, o olho de um caçador de talentos, jamais; não era para ela.
O destino nos é revelado nos detalhes, a menina sabia disso. Não queria pensar porque o tema parecia pouco consistente e ela era do tipo que acreditava no poder intrínseco do indivíduo, na força da própria opinião. Apesar de fugir dos livros de auto-ajuda, não tinha dúvidas de que o destino era uma estrada construída pela confiança, suor e o talho preciso de um caráter virtuoso. Tristes ilusões americanas que nunca encontravam espelho em sua realidade, ao contrário, era sempre o bêbado, o canastrão, o sátiro, que estavam por perto para zombar de suas convicções. Aquele riso sem contexto e eufórico que celebrou a menina no espaço santo era só o que o mundo lhe reservara. Salvo algumas penas, pois afinal o gato gosta de brincar muito com o rato antes de liquidá-lo, o destino da menina era o desejo empobrecido de homens carentes e frágeis. Ela tinha medo – ela sempre teve medo – porque não queria lutar, não veio para isso, mas a vida a impelia. Lutar para sofrer menos e não para ser feliz.
Um dia a menina viu Deus, Ele lhe pediu paciência e compaixão; ela pediu descanso; Ele não respondeu. Ela aceitou, mas não sem fazer aquela cara de resignação de quem quer deixar claro que não está feliz. Respirou e continuou. Não entendia porque Deus não sentia culpa pela sua infelicidade, e de outros, afinal ela sabia que não era a única a ter sido batizada por Suas mãos irônicas.
A bronquite na infância não fora por acaso, a pneumonia, precisava ter os pulmões fortalecidos pois iria suspirar muito. Os desejos lhe exauriam, qualquer hora ela sairia atirando, fazendo justiça – paciência demais desgasta. Ele a perdoaria: entende o que são urticárias, entende o cansaço, a escassez de saliva.
Hoje tenta fazer como Ele: ri, ignora, diverte-se sozinha, ama quando vê criança e lamenta.