POR QUE NÃO FALAR DO SOL? - A DIVINA COMÉDIA
por Ana Luísa Vasconcellos
Desde aquele dia na pequena igreja do bairro quando aquele cachaceiro de braços finos e duros a ergueu tomando-lhe de súbito as axilas e rindo que ela soube: jamais teria sucesso na vida. E assim foi, a menina cresceu, esqueceu-se daquele episódio mas nenhuma sorte daquelas graúdas, que mudam a direção da sua vida para melhor, que lhe colocam em um novo mundo colorido e agradável tinha lhe acontecido. Ela sabia que esse tipo de sorte não era com ela, só as triviais: ganhar um convite para o cinema, uma bolsa na promoção do supermercado, aquele táxi que passou na hora certa quando estava atrasada, conseguir encontrar um banheiro a tempo quando não podia mais segurar; e também aquelas sortes estáticas que muitos chamam de anjo da guarda e impedem que coisas más ou trágicas lhe aconteçam, como quebrar um membro, sofrer acidentes, violências, abandonos; mas a grande sorte, a sena, o príncipe encantado, o olho de um caçador de talentos, jamais; não era para ela.
O destino nos é revelado nos detalhes, a menina sabia disso. Não queria pensar porque o tema parecia pouco consistente e ela era do tipo que acreditava no poder intrínseco do indivíduo, na força da própria opinião. Apesar de fugir dos livros de auto-ajuda, não tinha dúvidas de que o destino era uma estrada construída pela confiança, suor e o talho preciso de um caráter virtuoso. Tristes ilusões americanas que nunca encontravam espelho em sua realidade, ao contrário, era sempre o bêbado, o canastrão, o sátiro, que estavam por perto para zombar de suas convicções. Aquele riso sem contexto e eufórico que celebrou a menina no espaço santo era só o que o mundo lhe reservara. Salvo algumas penas, pois afinal o gato gosta de brincar muito com o rato antes de liquidá-lo, o destino da menina era o desejo empobrecido de homens carentes e frágeis. Ela tinha medo – ela sempre teve medo – porque não queria lutar, não veio para isso, mas a vida a impelia. Lutar para sofrer menos e não para ser feliz.
Um dia a menina viu Deus, Ele lhe pediu paciência e compaixão; ela pediu descanso; Ele não respondeu. Ela aceitou, mas não sem fazer aquela cara de resignação de quem quer deixar claro que não está feliz. Respirou e continuou. Não entendia porque Deus não sentia culpa pela sua infelicidade, e de outros, afinal ela sabia que não era a única a ter sido batizada por Suas mãos irônicas.
A bronquite na infância não fora por acaso, a pneumonia, precisava ter os pulmões fortalecidos pois iria suspirar muito. Os desejos lhe exauriam, qualquer hora ela sairia atirando, fazendo justiça – paciência demais desgasta. Ele a perdoaria: entende o que são urticárias, entende o cansaço, a escassez de saliva.
Hoje tenta fazer como Ele: ri, ignora, diverte-se sozinha, ama quando vê criança e lamenta.
O destino nos é revelado nos detalhes, a menina sabia disso. Não queria pensar porque o tema parecia pouco consistente e ela era do tipo que acreditava no poder intrínseco do indivíduo, na força da própria opinião. Apesar de fugir dos livros de auto-ajuda, não tinha dúvidas de que o destino era uma estrada construída pela confiança, suor e o talho preciso de um caráter virtuoso. Tristes ilusões americanas que nunca encontravam espelho em sua realidade, ao contrário, era sempre o bêbado, o canastrão, o sátiro, que estavam por perto para zombar de suas convicções. Aquele riso sem contexto e eufórico que celebrou a menina no espaço santo era só o que o mundo lhe reservara. Salvo algumas penas, pois afinal o gato gosta de brincar muito com o rato antes de liquidá-lo, o destino da menina era o desejo empobrecido de homens carentes e frágeis. Ela tinha medo – ela sempre teve medo – porque não queria lutar, não veio para isso, mas a vida a impelia. Lutar para sofrer menos e não para ser feliz.
Um dia a menina viu Deus, Ele lhe pediu paciência e compaixão; ela pediu descanso; Ele não respondeu. Ela aceitou, mas não sem fazer aquela cara de resignação de quem quer deixar claro que não está feliz. Respirou e continuou. Não entendia porque Deus não sentia culpa pela sua infelicidade, e de outros, afinal ela sabia que não era a única a ter sido batizada por Suas mãos irônicas.
A bronquite na infância não fora por acaso, a pneumonia, precisava ter os pulmões fortalecidos pois iria suspirar muito. Os desejos lhe exauriam, qualquer hora ela sairia atirando, fazendo justiça – paciência demais desgasta. Ele a perdoaria: entende o que são urticárias, entende o cansaço, a escassez de saliva.
Hoje tenta fazer como Ele: ri, ignora, diverte-se sozinha, ama quando vê criança e lamenta.
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