quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

UM DEDO DE PROSA


VIVER A VIDA REGADA A AMOR

Se aqui eu fosse deixar um recado aos meus leitores, deixaria a eles a célebre frase do inesquecível Charlie Chaplin (em destaque no cabeçalho deste blog): “o homem não morre quando perde a vida, mas sim quando deixa de amar”. Assino embaixo (e ainda reconheço firma) do que filosofou o grande Carlitos, pois a partir do momento em que renegamos o amor, deixamos de conhecer o real sentido da vida e, consequentemente, deixamos de viver.
Deixamos de viver as e para as coisas boas que a vida nos proporciona: a natureza, a beleza e os encantos do Universo, a liberdade de expressão, o direito de ir e vir, a esperança de um novo amanhã, o sorriso puro de uma criança, o funcionamento perfeito dos nossos cinco sentidos, a amizade, o ato de solidariedade, o amor...
Quando deixamos de amar, negamos a nós mesmos o direito à própria vida; afastamos do nosso convívio todos aqueles que se propõem a viver movidos pelo sentimento de Amor; abrimos vagas em nosso coração aos inquilinos Ódio e Rancor e damos à inimiga Solidão o direito de nos fazer companhia.
Voltando ao primeiro parágrafo deste meu texto, se aqui eu fosse deixar um recado aos meus leitores, diria a eles para AMAREM INTENSAMENTE, pois o AMOR é a força motriz dos nossos órgãos vitais, especialmente do coração; é o combustível da nossa máquina chamada CORPO, é o suplemento alimentar da nossa alma...
Amemo-nos, pois!
MEUS VERSOS LÍRICOS

SINESTESIA EUFÊMICA
(Joésio Menezes)

Meus versos têm o gosto dos teus beijos,
São doces quanto o teu olhar,
São ardentes como os teus desejos,
Têm o doce cheiro do teu corpo a suar.

São quentes como os lampejos
Da rubra libido a me instigar
O aroma sussurrante e sobejo
Desse meu fogo a te desejar;

Têm a cor sonora do sentimento
Que aqui, em meu peito, alimento
Ao ouvir de teus olhos o brilho dos ais

Que fazem da minha poesia
O perfume cítrico da sinestesia
Que abranda o óbito dos imortais.


EN BÚSQUEDA DEL AMOR
(Joésio Menezes)

Busco el amor,
Pero no sé donde encontrarlo.
¿Donde estará él?
¿En las estrellas?
¿En la luna?
¿En la naturaleza?
¿En la Tierra o en el Cielo?
¿O simplemente dentro de mi?

¡No sé!...
Sé solamente que en tus ojos
Está el camino de lo que busco,
Aunque no me quieras
Ni me ames,
¡Como yo a ti,
Amada mia!
O MELHOR DA POESIA BRASILEIRA E UNIVERSAL

DELÍRIO
(Olavo Bilac)

Nua, mas para o amor não cabe o pejo
Na minha a sua boca eu comprimia.
E, em frêmitos carnais, ela dizia:
- Mais abaixo, meu bem, quero o teu beijo!

Na inconsciência bruta do meu desejo
Fremente, a minha boca obedecia,
E os seus seios, tão rígidos mordia,
Fazendo-a arrepiar em doce arpejo.

Em suspiros de gozos infinitos
Disse-me ela, ainda quase em grito:
- Mais abaixo, meu bem! – num frenesi.

No seu ventre pousei a minha boca,
- Mais abaixo, meu bem! – disse ela, louca,
Moralistas, perdoai! Obedeci…


ABDICAÇÃO
(Fernando Pessoa)

Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços
E chama-me teu filho. Eu sou um rei
que voluntariamente abandonei
O meu trono de sonhos e cansaços.

Minha espada, pesada a braços lassos,
Em mão viris e calmas entreguei;
E meu cetro e coroa — eu os deixei
Na antecâmara, feitos em pedaços.

Minha cota de malha, tão inútil,
Minhas esporas de um tinir tão fútil,
Deixei-as pela fria escadaria.

Despi a realeza, corpo e alma,
E regressei à noite antiga e calma
Como a paisagem ao morrer do dia.
CRÔNICA DA SEMANA

A DOR QUE DÓI MAIS
(Martha Medeiros)

Trancar o dedo numa porta dói. Bater com o queixo no chão dói. Torcer o tornozelo dói. Um tapa, um soco, um pontapé dóem. Dói bater a cabeça na quina da mesa, dói morder a língua, dói cólica, cárie e pedra no rim. Mas o que mais dói é saudade.
Saudade de um irmão que mora longe. Saudade de uma cachoeira da infância. Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais. Saudade do pai que já morreu. Saudade de um amigo imaginário que nunca existiu. Saudade de uma cidade. Saudade da gente mesmo, quando se tinha mais audácia e menos cabelos brancos. Dóem essas saudades todas.
Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama. Saudade da pele, do cheiro, dos beijos. Saudade da presença e até da ausência consentida. Você podia ficar na sala e ele no quarto, sem se verem, mas sabiam-se lá. Você podia ir para o aeroporto e ele para o dentista, mas sabiam-se onde. Você podia ficar o dia sem vê-lo, ele o dia sem vê-la, mas sabiam-se amanhã. Mas quando o amor de um acaba, ao outro sobra uma saudade que ninguém sabe como deter.
Saudade é não saber. Não saber mais se ele continua se gripando no inverno. Não saber mais se ela continua clareando o cabelo. Não saber se ele ainda usa a camisa que você deu. Não saber se ela foi à consulta com o dermatologista como prometeu. Não saber se ele tem comido frango de padaria, se ela tem assistido às aulas de inglês, se ele aprendeu a entrar na Internet, se ela aprendeu a estacionar entre dois carros, se ele continua fumando Carlton, se ela continua preferindo Pepsi, se ele continua sorrindo, se ela continua dançando, se ele continua pescando, se ela continua lhe amando.
Saudade é não saber. Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.
Saudade é não querer saber. Não querer saber se ele está com outra, se ela está feliz, se ele está mais magro, se ela está mais bela. Saudade é nunca mais querer saber de quem se ama, e ainda assim, doer.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

UM DEDO DE PROSA


UM MUNDO ALÉM DO IMAGINÁRIO

Algum tempo atrás (há um ano, para ser mais exato) escrevi aqui mesmo neste espaço que HÁ VIDA APÓS O CARNAVAL.
Hoje reafirmo o que disse naquela ocasião, pois a vida continua, ainda que muitos não queiram acreditar nem queiram perceber que tudo, após o carnaval, volta à sua (a)normalidade, inclusive nos bastidores da política, onde tudo é resolvido “por baixo dos panos” e sem escrúpulo nenhum; onde as pizzas são preparadas com esmero e o bolo fatiado (em partes não tão iguais assim) entre os “Vossexcelências” que legislam em causa própria.
Mas o que mais me preocupa no momento é que estamos em ano de Copa do Mundo, época em que grande parte dos brasileiros se esquecem de tudo e voltam toda sua atenção para os jogos da Seleção Brasileira, e é justamente nesse instante de “apneia mental” do povo que eles, os políticos, aproveitam para enfiar o espeto em nossos olhos e as mãos em nossos bolsos.
Não bastasse isso, passada a euforia da Copa, vem a extenuante Campanha Eleitoral, cujos candidatos não são meros desconhecidos das páginas policiais.
Mas não quero me estressar antecipadamente com isso. É melhor esperar as coisas acontecerem para depois pensar em procurar um analista ou (quem sabe?) a Polícia Federal.
À parte tudo isso, refugio-me na leitura e, às vezes, na escrita de textos que me façam bem, que me transportem a um mundo além do imaginário...
MEUS VERSOS LÍRICOS


LUCIANA ÁVILA
(Joésio Menezes)

Lasciva mente, como ignorar
Uma deusa fora do paraíso?
Como Posso eu controlar,
Inda que não me falte juízo,
A libido que em mim aflora?...
Não, ela não me devora;
Apenas faz em mim um fogo arder!

Ávida mente que me guia,
Vê quanta beleza num só ser!...
Imaginas em quantas fantasias
Libidinosas me fazes pensar?
Ah, louca mente!... Não te cansas de aprontar?


DULCES VERSOS A TI
(Joésio Menezes)

Mis dulces versos los escribo a ti;
A ti, también, mis palabras de amor.
Pero los que cantan la tristeza e el dolor
Los guardo solamente para mí.

Así, el dolor, hermana de la tristeza,
Tu no puedes hoy llevar contigo
Por que él es mi único amigo
Y compañero de las dudas de mi cabeza.

A ti te ofrezco todo el sentimiento
Que hay en mis versos cuyo aliento
Es saber que no me amas tanto así.

En cambio, solo te pido un beso.
Un beso y nada más; y para eso
Los dulces versos los escribo a ti.
O MELHOR DA POESIA BRASILEIRA


DIVAGAÇÃO
(José Geraldo Pires de Mello)

Tu – que decerto muita vez já ouviste
O voto que em meu lábio se pressente –
Tu – Santa imagem do meu culto ardente –
Perguntas-me, a cismar, se o Amor existe...

O Amor está na essência em que consiste
O Universo com tudo o que é presente:
O homem, a fera, a pedra, a rola triste,
Do átomo menor ao Sol fulgente.

O Amor é Divindade que, no Mundo,
Anda a espalhar seu germe mais fecundo
Desde a matéria bruta ao ser mais nobre.

O Amor – que do Universo vai nos rastros –
É chama que num beijo teu se encobre,
É força cósmica que manda os astros...


À MORTE
(Vivaldo Bernardes de Almeida)

Vens chegando, à sacapa, sorrateira,
mandando-me alertas convincentes,
no preparo da hora derradeira,
com avisos mui graves e freqüentes.

Não te temo, pois vens me prevenindo,
mas suplico: dês mais tempo à poesia,
que só ela me traz ardor infindo,
e só nela eu me quedo em fantasia.

Mas, se pedir-te mais, e mais, eu posso,
atende um meu pedido qu’eu endosso,
e atrasa teu afã por mais um dia.

E pronto eu estarei, dia que quiseres,
e despedir-me-ei de mil mulheres,
em ritual de infrene boemia.
CRÔNICA DA SEMANA


HABEAS CORPUS DA QUARTA-FEIRA DE CINZAS
(por Wálter Fanganiello Maierovitch)

Túnel do tempo, anos 50-60. Toda a quarta-feira de Cinzas, bem cedo, um ilustríssimo brasileiro anotava na delegacia e anexa carceragem do Pátio do Colégio (centro de S. Paulo) os nomes dos contraventores detidos.
A maioria estava enquadrada por ilícitos de vadiagem, bebedeira e por causar escândalo público.
Para a elite conservadora paulistana esses excessos carnavalescos, “da ralé”, eram graves, deviam passar de contravenção a crime e só a cadeia resolvia.
Na manhã de Cinzas, quando o Palácio da Justiça abria as portas ao público, o ilustríssimo brasileiro lá estava. Portava na maleta de mão pedidos de habeas corpus, prontos para despachar com os juizes criminais.
O ilustríssimo brasileiro não cobrava nada pelos serviços. Seu móvel era o inconformismo cívico. Apenas não suportava, na condição de grande jurista, músico, professor, homem de cultura enciclopédica e fina ironia, com as ilegalidades e os abusos perpetrados contra um comum do povo.
Uma magistratura austera, com juízes de terno cinza, camisa social branca e gravata escura, recebia, conforme contado pelos da época, o ilustre professor brasileiro, mestre em direito processual penal e direito penal, que, em razão da urgência no uso de um remédio heróico (habeas corpus), apresentava-se fantasiado de Pierrô.
Naquele momento, era o Pierrô apaixonado pela causa da liberdade, em face de cidadãos ilegal e abusivamente detidos.
Parêntese: nenhum desrespeito à Justiça, apenas falta de tempo para tirar a fantasia. Para os que foram seus alunos - como o autor deste blog, abaixo-assinado -, o professor ensinou que o hábeas corpus é sempre urgentíssimo, pois ninguém deve ser preso ilegal ou abusivamente.
Pois bem: mal o ilustríssimo brasileiro deixava o Palácio da Justiça, aplausos e urros eram ouvidos da carceragem. Também de um pátio cheio de familiares, amigos e amantes em busca de notícia de foliões desaparecidos.
O professor, sempre sem esboçar sorriso a colocar em dúvida a correção da sua missão constitucional de cidadão, transportava para o Pátio do Colégio ordens de habeas corpus liberatórios ou pedidos de informações, que muitos delegados já tinham prontas as respostas, ou seja, a de certo paciente não estar preso, ou seja, era solto com a chegada do pedido judicial de informações.
Quando das liberações, o ilustríssimo brasileiro já tinha desaparecido. Dizem que ia tomar um café na praça de Sé e, nas escadarias, olhava espantado o tamanho da fila de pecadores que iam receber as cinzas dos padres de plantão.
Ele também percebia a indignação e um certo mal-estar dos clérigos e dos pecadores, pois, os libertados no pátio do Colégio, muitos com restos de fantasia, passavam pela praça a contar as marchinhas carnavalescas que foram contidas pelas grades. Alguns, já embicavam em algum bar.
A cerimônia de cinzas prosseguia. E o ilustríssimo brasileiro, professor Canuto Mendes de Almeida, catedrático da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, compositor e depois Procurador Geral da República no governo Jânio Quadros, saia de cena. Isto com a alma lavada, sem precisar receber cinzas.

(in www.maierovitch.blog.terra.com.br)

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

UM DEDO DE PROSA


DE VOLTA AO BATENTE

Terminadas as férias, continua “tudo como antes no castelo de Abrantes”: a política vergonhosa, a pizzaria da Câmara Legislativa do DF a todo vapor, a violência crescente, o clima descontrolado, a natureza em fúria, professores sonhando com as próximas férias, alunos sem saber o porquê de estarem na escola... A única coisa que mudou mesmo foi o fato de eu ter engordado um pouquinho. Mas... como não engordar? Comprovadamente, férias e comida de dona Benedita não combinam!...
Terminadas as férias, cá estou eu de volta, trazendo aos leitores do Portal da Poesia o que acredito ser de boa qualidade e interessante aos que gostam de ler, mesmo sabendo o quão difícil é agradar a todos.
E por falar em ler, foi o que mais fiz durante as minhas férias. Ao todo foram cinco livros: O Diário de Um Escoteiro, Violetas na Janela, Preconceito Linguístico, Emília no País da Gramática e A Livre Escrita. Este último, presente da amiga Madalena Barranco, Fada-Mor do mundo encantado “Flor de Morango”, a quem deixo um fortíssimo abraço e o desejo de um 2010 repleto de realizações.
Transcrevi aqui, inclusive, alguns textos do livro que me foi presenteado pela amiga paulistana. Espero que gostem!...
MEUS VERSOS LÍRICOS


SAUDADE BANDIDA
(Joésio Menezes)

De saudade sofro,
De saudade choro,
Da saudade vivo,
À saudade imploro
Um pouco de compaixão
Ao meu pobre coração
Cuja dor não ignoro,

Pois a perversa maltrata,
Sem dó nem piedade,
O meu cansado peito
Com requintes de crueldade.
E sem poder reclamar
Desse mal a me torturar,
Sobrevivo à saudade.

Sobrevivo ainda
Aos seus efeitos
Cruéis e devastadores
Que trazem ao meu peito
Os alaridos da solidão
Que fazem do meu coração
Um infeliz sujeito.

E assim vou vivendo
Cada estação da vida
Que oscila no tempo:
Ora alegre, ora sofrida...
E nesse vai-e-vem
Sofro como ninguém.
Eita saudade bandida!


METÁSTASE DO AMOR
(Joésio Menezes)

As dores que sinto no coração
Se espalharam pelo corpo inteiro.
Preocupado, busquei um curandeiro
Que me disse não haver solução,

Pois o que antes era sofreguidão
Se tornara um tumor hospedeiro
Do amor profundo e verdadeiro
Que se alimenta da minha paixão.

E não há na moderna medicina
Alguma coisa – nem mesmo a morfina -
Que me cure as dores desse tumor.

Disse ele que não ficarei curado,
Pois o meu sangue está contaminado
Pela metástase de um grande amor.
O MELHOR DA POESIA BRASILEIRA


SAUDADES
(Cezarina Caruso, in A Livre Escrita)

As horas passam
E já sinto saudades...
Vontade de te ver de novo.

Não faz muito
Que nos despedimos,
Mas como pesa
Essa distância!

A tua distância fica
Dentro de mim
Como os últimos acordes
De uma melodia que ainda
Soam no ar...

Ou como os derradeiros raios de sol
Que atravessam as vidraças
Salpicando cores no tapete!

As horas gotejam minutos
Lentamente... Dentro de mim,
Distância se torna eternidade.
Farei marcas de esperança
Nas paredes cinzentas da alma
- Como fazem os prisioneiros –
Até te rever novamente!...


ESCREVO
(Isiara Mieres Caruso, in A Livre Escrita)

Escrevo,
portanto existo.
Deixo marcas nesta página.
Como as pegadas na areia,
que trazem areia p’ro pé,
trago letras p’ra minh’alma
e assim a tenho letreada,
cheia de letras pegadas.
Pegadas que se fazem letras
e ficam aí apegadas
como se fossem sonhos sonhados
ou fantasias vividas
nos pensamentos pensados,
pesados,
grafados,
gravados,
inscritos,
escritos.
Me inscrevo.
Me escrevo.
Portanto existo.
CRÔNICA DA SEMANA


A AVENTURA DAS HORAS
(Madalena Barranco, in A Livre Escrita)

A dona Uma Hora era a mais revoltada de todas as horas. Ela culpava o tempo que não parava de girar pelo relógio e sonhava com o dia em que teria férias. Por isso, quando a superbateria ecológica (recarregável) do relógio de fundo azul com cara de gato acabou e o tempo parou, todas as outras onze horas pularam para fora daquele círculo e foram embora. A dona Uma Hora, que era a primeira em tudo, resolveu daquela vez ficar por último, porque ela queria torcer os bigodes do relógio “cara de gato”.
- Não consigo me descolar do relógio... Esses ponteiros de bigodes tinham que parar em cima de mim? Disse a dona Uma Hora, preocupada, pois as outras horas estariam perdidas sem ela, que era a primeira da série de doze!
Toninho ganhara aquele relógio da mãe. Era com o despertador “cara de gato” que ele acordava para ir à escola. Porém, aquele dia o relógio não miou sete vezes às sete da manhã e o sol não apareceu.
- Eu só queria aproveitar para passear fora do meu mundo azul, enquanto o menino não recarregasse a bateria do relógio... E agora? Eu quis tanto que meu sonho virasse realidade, que a dona Fantasia me atendeu – acontece que deu tudo errado!
- Claro, sua dona Uma Hora é primeira em tudo, inclusive, em fazer besteiras! Ou você ignorava que a dona Fantasia não usa relógio e nem sabe o que é o tempo? Como ela poderia acertar em seu pedido? Disse a dona Onze Horas, ainda meio zonza - na pressa de sair havia tropeçado num brinquedo e batido as duas cabeças.
E a dona Onze Horas, sábia em dobro, explicou que as pessoas reais ainda não sabiam viver como a dona Fantasia, pois dependiam do tempo.
A dona Uma Hora lamuriava-se e a Onze Horas não sabia como fazê-la parar de chorar. Dali a pouco, os oceanos do planeta, ou o relógio Terra, assim como as donas horas o conheciam, aumentariam de volume com tantas lágrimas. E o pior: o relógio teria os bigodes de gato descolados e não miaria mais em movimento de rotação. Seria um caos no sistema solar.
- Olhe para mim, dona Uma Hora. Eu sou a solução! Afinal, sou a Onze Horas, portanto, duas de você!! Vou me dividir e sairei pulando com uma perna só, disfarçada de Uma Hora. Se eu conseguir enganar o tempo, as outras horas voltarão.
Então, a dona Onze Horas conseguiu separar-se em duas: ela pôs em uma de suas metades uma muleta improvisada com um palito de fósforo e guardou essa parte no relógio. Aí, com sua outra metade perneta, ela alcançou o parapeito da janela e imitando a voz da Uma Hora, gritou o código de chamada das outras horas: - Umamiauuu! O som demorou muito para alcançar as donas horas perdidas. Até hoje não se sabe quanto. Por isso, como se fosse uma mágica sem tempo certo para funcionar, de repente, o relógio com todas as suas horas no lugar, começou a marcar as sete e tocou os sete miados de sempre.
- É hora de acordar. Bocejou Toninho, enquanto esfregava os olhos para conferir o horário. – O que aconteceu com meu relógio? Está aguado e as onze horas têm três pernas! Naquilo, a mãe abriu a porta do seu quarto para apressá-lo e...
- Vovó?! Não... É a mamãe?!
Toninho havia crescido um metro a mais. Ele olhou-se no espelho e viu que tinha um bigode igual ao do relógio “cara de gato”.
Enquanto isso, a dona Uma Hora brigava com a Onze Horas, acusando-a de bagunçar o tempo, que não mais “voava”, mas andava devagar por causa da muleta de palito de fósforo, da qual a dona Onze Horas não conseguiu mais se livrar.
- Isso está errado! Intrometeu-se a dona Nove Horas. – Quando o tempo estava perdido, as pessoas não poderiam ter envelhecido - a coisa teria que funcionar ao contrário...
- Então, porque você não se submeteu ao movimento anti-horário e deixou de ser a dona Nove Horas para inverter-se em uma Seis Horas? Disse a Uma Hora.
Aí, entrou na conversa a enigmática dona Oito Horas e disse que ela era o símbolo do infinito e o tempo para ela, jamais existiria.
- Tudo isso é filosófico... Disse a dona Sete Horas. – Mas, temos que consertar o tempo das pessoas agora, para que elas não se lembrem do que aconteceu! Aí, a dama dos mistérios e das sete vidas dos gatos, fez o relógio “cara de gato” girar ao contrário até que Toninho voltou a ser menino.
- Filho, acorde! Seu relógio está sem bateria e hoje você tem prova de matemática. Disse a jovem mãe de Toninho.
As donas horas não haviam gostado da experiência de sair do seu mundo. Por isso, resolveram aproveitar aquelas férias lendo ou brincando dentro do relógio Terra, até que o despertador miasse novamente com a superbateria recarregada pelo sol. Depois, entre uma hora e outra, elas estudariam para descobrir o segredo da dona Fantasia, que sabia viver sem um relógio para marcar-lhe o tempo da imaginação.