quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

CRÔNICA DA SEMANA


A AVENTURA DAS HORAS
(Madalena Barranco, in A Livre Escrita)

A dona Uma Hora era a mais revoltada de todas as horas. Ela culpava o tempo que não parava de girar pelo relógio e sonhava com o dia em que teria férias. Por isso, quando a superbateria ecológica (recarregável) do relógio de fundo azul com cara de gato acabou e o tempo parou, todas as outras onze horas pularam para fora daquele círculo e foram embora. A dona Uma Hora, que era a primeira em tudo, resolveu daquela vez ficar por último, porque ela queria torcer os bigodes do relógio “cara de gato”.
- Não consigo me descolar do relógio... Esses ponteiros de bigodes tinham que parar em cima de mim? Disse a dona Uma Hora, preocupada, pois as outras horas estariam perdidas sem ela, que era a primeira da série de doze!
Toninho ganhara aquele relógio da mãe. Era com o despertador “cara de gato” que ele acordava para ir à escola. Porém, aquele dia o relógio não miou sete vezes às sete da manhã e o sol não apareceu.
- Eu só queria aproveitar para passear fora do meu mundo azul, enquanto o menino não recarregasse a bateria do relógio... E agora? Eu quis tanto que meu sonho virasse realidade, que a dona Fantasia me atendeu – acontece que deu tudo errado!
- Claro, sua dona Uma Hora é primeira em tudo, inclusive, em fazer besteiras! Ou você ignorava que a dona Fantasia não usa relógio e nem sabe o que é o tempo? Como ela poderia acertar em seu pedido? Disse a dona Onze Horas, ainda meio zonza - na pressa de sair havia tropeçado num brinquedo e batido as duas cabeças.
E a dona Onze Horas, sábia em dobro, explicou que as pessoas reais ainda não sabiam viver como a dona Fantasia, pois dependiam do tempo.
A dona Uma Hora lamuriava-se e a Onze Horas não sabia como fazê-la parar de chorar. Dali a pouco, os oceanos do planeta, ou o relógio Terra, assim como as donas horas o conheciam, aumentariam de volume com tantas lágrimas. E o pior: o relógio teria os bigodes de gato descolados e não miaria mais em movimento de rotação. Seria um caos no sistema solar.
- Olhe para mim, dona Uma Hora. Eu sou a solução! Afinal, sou a Onze Horas, portanto, duas de você!! Vou me dividir e sairei pulando com uma perna só, disfarçada de Uma Hora. Se eu conseguir enganar o tempo, as outras horas voltarão.
Então, a dona Onze Horas conseguiu separar-se em duas: ela pôs em uma de suas metades uma muleta improvisada com um palito de fósforo e guardou essa parte no relógio. Aí, com sua outra metade perneta, ela alcançou o parapeito da janela e imitando a voz da Uma Hora, gritou o código de chamada das outras horas: - Umamiauuu! O som demorou muito para alcançar as donas horas perdidas. Até hoje não se sabe quanto. Por isso, como se fosse uma mágica sem tempo certo para funcionar, de repente, o relógio com todas as suas horas no lugar, começou a marcar as sete e tocou os sete miados de sempre.
- É hora de acordar. Bocejou Toninho, enquanto esfregava os olhos para conferir o horário. – O que aconteceu com meu relógio? Está aguado e as onze horas têm três pernas! Naquilo, a mãe abriu a porta do seu quarto para apressá-lo e...
- Vovó?! Não... É a mamãe?!
Toninho havia crescido um metro a mais. Ele olhou-se no espelho e viu que tinha um bigode igual ao do relógio “cara de gato”.
Enquanto isso, a dona Uma Hora brigava com a Onze Horas, acusando-a de bagunçar o tempo, que não mais “voava”, mas andava devagar por causa da muleta de palito de fósforo, da qual a dona Onze Horas não conseguiu mais se livrar.
- Isso está errado! Intrometeu-se a dona Nove Horas. – Quando o tempo estava perdido, as pessoas não poderiam ter envelhecido - a coisa teria que funcionar ao contrário...
- Então, porque você não se submeteu ao movimento anti-horário e deixou de ser a dona Nove Horas para inverter-se em uma Seis Horas? Disse a Uma Hora.
Aí, entrou na conversa a enigmática dona Oito Horas e disse que ela era o símbolo do infinito e o tempo para ela, jamais existiria.
- Tudo isso é filosófico... Disse a dona Sete Horas. – Mas, temos que consertar o tempo das pessoas agora, para que elas não se lembrem do que aconteceu! Aí, a dama dos mistérios e das sete vidas dos gatos, fez o relógio “cara de gato” girar ao contrário até que Toninho voltou a ser menino.
- Filho, acorde! Seu relógio está sem bateria e hoje você tem prova de matemática. Disse a jovem mãe de Toninho.
As donas horas não haviam gostado da experiência de sair do seu mundo. Por isso, resolveram aproveitar aquelas férias lendo ou brincando dentro do relógio Terra, até que o despertador miasse novamente com a superbateria recarregada pelo sol. Depois, entre uma hora e outra, elas estudariam para descobrir o segredo da dona Fantasia, que sabia viver sem um relógio para marcar-lhe o tempo da imaginação.

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