RESENHA LITERÁRIA
ENSAIO SOBRE A LUCIDEZ
(José Saramago)
Tudo o que se sabia do novo romance de José Saramago, até ao dia de seu lançamento, era, que este seria um livro político, com potencial de desencadear uma grande polêmica. Acompanhado pela notícia de que o autor integrará a lista de candidatos da CDU às próximas eleições para o Parlamento Europeu, isto resultou, pelo menos, num marketing perfeito.
O livro chegou às livrarias simultaneamente no Brasil e em Portugal, um mês antes do trigésimo aniversário da revolução de Abril. Outra coincidência que não parece totalmente despropositada. E pela sinopse do romance, que as editoras (Caminho, em Portugal e Companhia das Letras, no Brasil) liberaram no dia 25 de Março, o livro promete muito:
Num país indeterminado decorre, com toda a normalidade, um processo eleitoral. No final do dia, contados os votos, verifica-se que na capital cerca de 70% dos eleitores votaram branco. Repetidas as eleições no domingo seguinte, o número de votos brancos ultrapassa os 80%.
Uma das piores hipóteses para cada sistema, que se diz democrático, a rejeição total de todas as propostas eleitorais, é ponto da partida para uma especulação sobre o sistema político, o seu caráter democrático ou antidemocrático, a cegueira do povo - ou a sua repentina lucidez. Uma esperança?
Quem conhece a obra de José Saramago saberá que o romance de certeza não oferecerá respostas óbvias ou fáceis, embora que as reações das autoridades nesta situação romanesca sejam absolutamente previsíveis: Em vez de se interrogar sobre os motivos que terão os eleitores para votar branco, o governo decide desencadear uma vasta operação policial para descobrir qual o foco infeccioso que está a minar a sua base política e eliminá-lo.
Ensaio sobre a Lucidez mostra a escura combinação entre a democracia vazia inventada pela burguesia e o poder da grande mídia para manter a dominação. Mas, tal como o título indica, vê brechas por onde pode passar a luz da resistência popular. Esse romance tem uma ligação direta com Ensaio sobre a Cegueira, também de Saramago, publicado em 1995. Direta e oposta. Afinal, lucidez vem do latim lucidi, que tem a ver com luz, brilho, clareza. O que seria falta de visão e pessimismo no primeiro Ensaio de Saramago, neste último é otimismo e horizontes que se abrem.
Ensaio sobre a Lucidez constitui uma representação realista e dramática da grande questão das democracias no mundo de hoje: serão elas verdadeiramente democráticas? Representarão nelas os cidadãos, os eleitores, um papel real, e não apenas meramente formal?
Disse Saramago, numa entrevista à RTP, que “se Ensaio sobre a Lucidez não causar polêmica é porque a sociedade dorme”, Pelo menos a atenção pública que o romance já teve, dá razão a certo otimismo.
terça-feira, 3 de fevereiro de 2009
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