CRÔNICA DA SEMANA
LUCIDEZ
(José Augusto Fontes)
Havia uma lucidez sem graça. Estava quase preferindo ausentar-se de tanta realidade. Precisava viver, simplesmente, viver. Mas, sem a fantasia, sem o sonho, sem desnortear a realidade, não estava conseguindo.
Largar-se pela roda dos ventos era uma viagem na garupa de vontades e desejos contidos, carona de alguma saudade. A necessidade de viver refletia na lucidez, só vista no retorno da imagem, imponderável ao confronto imediato. A insensatez da lucidez, a ausência dos enfeites necessários ao alcance do sonho premeditado. Era tudo. O ser reflexivo tinha olhos de ausência.
De onde supunha essa necessidade, não lhe era dado saber. Só com a ausência. Os sonhos que tinha não decolavam. E assim, não tinha a menor graça. Precisava sentir algo, ainda que fosse uma dor, ou o outro gosto da mentira. Emocionar-se, amar, dizer coisas, falar, ir falando, sem pensar muito, sem se lembrar de onde tirou o que terminou de dizer.
Pessoas entravam e saíam pelos seus olhos, metiam os braços pelas pernas, vinham outras, ele ficava. Por onde andarão Marias e Fátimas? Gaúchas, paulistas e cariocas, Lucila, Neiva e Márcia, outras que por aqui passaram, por onde andarão?
Momentos sucediam instantes, sol e lua sobre as cabeças, mas ele não conseguia. Se há milagres, onde estão agora? Quem sabe estivessem do lado de dentro. Mas, nem assim. Tudo o que fazia era olhar para dentro de si, ver-se refletido, sem notar a realidade própria dessa fantasia, a mentira doméstica dessa constatação. Era só reflexão. Três coisas na vida, disse Faulkner: o fato de estar vivo, o prazer e a escuridão.
Para o ser refletido, a escuridão poderia estar nos momentos de conviver consigo, na solidão. Mas há o amor. O homem viu. Amar é preciso, concluiu. A lucidez requer o momento de acontecer; a paixão, o fogo; a carne, o corte; os olhos, outros olhos. Fogo, querer, paixão, desejo, solidão, nenhum é amor. Amor é o que sobra disso, é o que fica, depois de tudo. Depois do temporal, a calmaria, no quintal do amor, brotou a mais bela Maria.
Aconteceu. Chegou a mulher do amor. Mais nada há, depois de ela por aqui chegar. Volta o homem ao espelho, retira o reflexo. Ficam os olhos em que se vê. Espelho d’água de alfazema. Já não há olhos de ausência, sol e lua sobre as cabeças, no caminho do norte da realidade, despetalando a rosa dos ventos. Conseguiu, gerou a imagem, fantasiou o sonho. Tudo tinha graça, sem pressa. Olhos assim postos, nada mais ao redor. Afinal, o amor entra e sai pelos olhos, solta alguns suspiros, gemidos, pronto, já é prazer. Depois de tudo, o amor é o que sobra, se sobrar. Se não, foi apenas lucidez.
terça-feira, 3 de fevereiro de 2009
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