terça-feira, 24 de março de 2009

CRÔNICA DA SEMANA


POEMA
(Viegas Fernandes da Costa)

Houve aquele tempo em que o verso me doava seu alento. Sentava-me à mesa, máquina de escrever, caneta, os sonhos e desejos da adolescência fascinando-me e nutrindo a necessidade do verbo, do verbo... Sim, houve estes dias em que o verso me doava seu alento.
Naqueles dias era tão fácil se presumir poeta. Ah, poetar! Como era fácil poetar quando para tanto bastava o jogo das palavras, a brincadeira da aliteração. Olhar o vento, sentir a luz, ou suas ausências, abrir os braços e correr. A excitação do primeiro texto publicado, o dedo no dicionário. Encontrar a palavra exata, o sinônimo mais bonito.
Depois, o silêncio. Caminhar pela noite, vislumbrar postes, gatos e sombras. Um silêncio repleto de estrelas e medos. E então houve estes dias em que o verso me doava seu divã. Catárticos versos estes.
Descobrir que há mais, há muito mais para se compor um poema do que apenas as palavras e os fonemas. Porque se catarse, também necessário o poema, como o ar, como o pão. E então me cobraram versos os poetas extensivos. “Onde estão os versos? Onde estão os livros?” Disse-lhes então que há poemas escritos nos céus e nos olhos que vislumbram o infinito, mas não compreenderam, e então meus versos se preencheram de silêncios tão clamorosos como o ruflar das asas de um pombo. Houve então estes dias em que o verso me doava seu silêncio.
Hoje, porém, não há poema. Porque há estes dias em que o verso me doa a sua ausência.

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