segunda-feira, 15 de setembro de 2008

CRÔNICA DA SEMANA


EM TERRA DE CEGOS...
(Joésio Menezes)

Hoje, minha visão é monocular. Mas nem sempre foi assim. Mesmo sendo alto-míope (14 graus no olho esquerdo e 18 no direito), eu enxergava com os dois olhos.
Mas alguns anos atrás um descolamento de retina levou-me à mesa de cirurgia por três vezes. Foram sete meses consecutivos visitando oftalmologistas, usando colírios, submetendo-me a sessões de laser, porém tudo em vão... Perdi a visão do olho direito.
No início, quando os médicos disseram-me não mais ter solução para o meu problema, pareceu-me que o mundo havia caído sobre a minha cabeça. E chorei e chorei e chorei... Chorei tanto quanto um recém-nascido à espera do leite materno; entrei em depressão... Nada mais me fazia sentido. Questionava-me sempre sobre o que teria feito eu para receber tamanho castigo e nada de respostas. Comecei, inclusive, a duvidar da existência de Deus!...
Certa vez, numa dessas minhas visitas ao oftalmologista, enquanto tristemente eu aguardava a chegada do médico, uma enfermeira de pele tão alva quanto o uniforme que usava, cabelos loiros e voz suave sentou-se ao meu lado, pegou a minha mão esquerda e com uma das suas mãos segurava-a firmemente; com a outra, afagava-a ao mesmo tempo em que me confortava com doces palavras de consolo. E assim ela permaneceu por quase dez minutos, até que o doutor chamou-me.
Ao sair do consultório, procurei por aquele “anjo” que me consolara minutos antes, mas todos a que eu perguntava pela enfermeira davam-me a mesma resposta: “Não, eu não vi ninguém com essas características!”
Veio-me, então, a certeza de que eu recebera a visita de um arcanjo. A partir daí, senti que a minha fé em Deus não tinha acabado e passei a observar tudo e todos à minha volta. Comecei a “enxergar” além do que me era permitido, não com o olho que me restara, mas com o coração.
Comecei a ver que havia pessoas em pior situação que a minha; pessoas que têm os dois olhos perfeitos, mas que se encontram prostradas numa cama, dependendo de tudo e de todos; pessoas portadoras de doenças letais, as quais estão somente aguardando a morte chegar para, finalmente, “descansarem” em paz.
Mas eu não!... Eu acabara de perder somente um dos olhos. Resta-me outro ainda!... Míope, mas suficientemente “perfeito” para as minhas necessidades essenciais: locomover-me sem o auxílio de outrem, ler, escrever, admirar a natureza e, especialmente, apreciar a beleza feminina.
Conformar-me ainda não consegui (nem sei se é possível!), mas já aceitei o que a mim foi designado por Deus, mesmo porque minha situação não é de toda ruim!... Se por um lado eu saí no prejuízo com a perda de um olho, por outro saí lucrando: ao mandar fazer meus óculos, pago só a metade, pois em vez de duas, somente uma lente é feita. E tem ainda a minha situação social, que a qualquer momento pode ser mudada da condição de plebeu para a de Monarca, basta apenas que eu procure um país de não-videntes e me candidate à coroa.

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