domingo, 13 de janeiro de 2013

CRÔNICA DA SEMANA



QUEM DERA FOSSE AO MENOS A BUNDA REDUNDA DE DRUMMOND
(Aline Menezes)

Na TV, tenho acesso apenas a canais gratuitos, o que significa dizer que, aqui em casa especificamente, restam-me cinco opções clássicas: SBT, Record, Globo, Rede TV! e Band. Assim que liguei a televisão ontem à noite, fui surpreendida com a imagem de uma bunda gigante num movimento um tanto quanto eroticamente [in]expressivo, balançando ao som de Mc Pocahontas (sim, o calendário maia não deveria falhar!).
Sinto que envelheci de modo precoce, pois tudo me parece patético já há algum tempo... É insuportável saber que o contingente de pessoas e experiências interessantes no mundo é bastante reduzido, a julgar pela TV aberta, pelo Facebook e pelo Brasil. Não por acaso, um espírita que me encontrou na Asa Norte olhou para mim e disse: "você tem um espírito velho". Segundo ele, o meu espírito já reencarnou muitas vezes (deve ser um espírito demasiadamente teimoso). E ele completou: "aposto que você tem mais interesse por pessoas mais velhas que você"...
A propósito, sei que a maioria das pessoas tem medo de envelhecer, pois todos aprenderam que a velhice está associada unicamente à osteoporose, à diminuição da nossa capacidade de enxergar de perto e da nossa força muscular... à flacidez de nossa pele e à perda gradual da memória, por exemplo. Eu não tenho. Na verdade, nunca tive.
É, nunca tive medo de envelhecer. Alguns podem até argumentar que não tenho medo porque ainda não vi os efeitos da velhice tomarem conta do meu corpo de modo bem visível... talvez porque os meus seios ainda não estejam alcançando o umbigo, talvez porque as rugas do rosto não estejam aparecendo ainda, talvez porque eu não esteja com cabelos brancos enfeitando o couro cabeludo... talvez.
Porém, o que espero mesmo, independentemente do tempo, é preservar minha paixão pela vida, apesar da mediocridade do mundo; pelos sentimentos das pessoas, apesar do mau-caratismo; pelo amor, apesar das decepções amorosas; pela alegria, apesar das dores; pelas relações afetivas, apesar da solidão; pela família, apesar dos despeitados e ressentidos; por tudo que é belo, apesar das almas deformadas; pelo outro, apesar de mim.
Espero mesmo que numa outra ocasião eu possa escrever motivada por um grande artista do momento, por uma música magnífica, por um livro que integrará a tradição literária mundial, por um filme brilhante... que numa outra ocasião eu não precise da abundância televisiva e gratuita de programações estúpidas para falar sobre a escassez... para falar sobre a escassez da vida.

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