quinta-feira, 21 de outubro de 2010

O MELHOR DA POESIA BRASILEIRA

NOITE
(Menotti Del Picchia)

As casas fecham as pálpebras
das janelas e dormem.
Todos os rumores são postos em surdina,
todas as luzes se apagam.

Há um grande aparato
de câmara funerária
na paisagem do mundo.

Os homens ficam rígidos,
tomam a posição horizontal
e ensaiam o próprio cadáver.

Cada leito é a maquete de um túmulo.
Cada sono em ensaio de morte.

No cemitério da treva
tudo morre provisoriamente.


OS BURACOS DO ESPELHO
(Arnaldo Antunes)

O buraco do espelho está fechado,
agora eu tenho que ficar aqui
com um olho aberto, outro acordado
no lado de lá onde eu caí.

Pro lado de cá não tem acesso,
mesmo que me chamem pelo nome,
mesmo que admitam meu regresso,
toda vez que eu vou a porta some.

A janela some na parede,
a palavra de água se dissolve
na palavra sede, a boca cede
antes de falar, e não se ouve.

Já tentei dormir a noite inteira...
Quatro, cinco, seis da madrugada
vou ficar ali nessa cadeira,
uma orelha alerta, outra ligada.

O buraco do espelho está fechado,
agora eu tenho que ficar agora.
Fui pelo abandono abandonado
aqui dentro do lado de fora.

Nenhum comentário:

Postar um comentário