CRÔNICA DA SEMANA
(Martha Medeiros)
Medo de amar?
Parece absurdo, com tantos outros medos que temos que enfrentar: medo da
violência, medo da inadimplência, e a não menos temida solidão, que é o que nos
faz buscar relacionamentos. Mas absurdo ou não, o medo de amar se instala entre
as nossas vértebras e a gente sabe por quê.
O amor, tão
nobre, tão denso, tão intenso, acaba. Rasga a gente por dentro, faz um corte
profundo que vai do peito até a virilha, o amor se encerra bruscamente porque
de repente uma terceira pessoa surgiu ou simplesmente porque não há mais
interesse ou atração, sei lá, vá saber o que interrompe um sentimento, é
mistério indecifrável. Mas o amor termina, mal-agradecido, termina, e termina
só de um lado, nunca se encerra em dois corações ao mesmo tempo, desacelera um
antes do outro, e vai um pouco de dor pra cada canto. Dói em quem tomou a
iniciativa de romper, porque romper não é fácil, quebrar rotinas é sempre
traumático. Além do amor existe a amizade que permanece e a presença com que se
acostuma, romper um amor não é bobagem, é fato de grande responsabilidade, é
uma ferida que se abre no corpo do outro, no afeto do outro, e em si próprio,
ainda que com menos gravidade.
E ter o amor
rejeitado, nem se fala, é fratura exposta, definhamos em público, encolhemos a
alma, quase desejamos uma violência qualquer vinda da rua para esquecermos
dessa violência vinda do tempo gasto e vivido, esse assalto em que nos roubaram
tudo, o amor e o que vem com ele, confiança e estabilidade. Sem o amor, nada
resta, a crença se desfaz, o romantismo perde o sentido, músicas idiotas nos
fazem chorar dentro do carro.
Passa a dor do
amor, vem a trégua, o coração limpo de novo, os olhos novamente secos, a boca
vazia. Nada de bom está acontecendo, mas também nada de ruim. Um novo amor? Nem
pensar. Medo, respondemos.
Que corajosos
somos nós, que apesar de um medo tão justificado, amamos outra vez e todas as
vezes que o amor nos chama, fingindo um pouco de resistência mas sabendo que
para sempre é impossível recusá-lo.
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