terça-feira, 20 de janeiro de 2009

RESENHA LITERÁRIA


A MENINA QUE TECIA A VIDA COM AS PALAVRAS
(Por Ana Lúcia Santana)

Raros autores revelam uma poética tão inteligente, refinada, bem-humorada e sarcástica como Markus Zusak. A poesia que perpassa "A Menina que Roubava Livros" emociona o leitor sem ser piegas, desperta nele tanto alegria como tristeza, tanto revolta, quanto um certo conforto moral. Há muito tempo o escritor pensava em escrever sobre um personagem que furtava livros, mas sua idéia ainda não estava amadurecida. Quando pensou em unir este desejo ao de retratar o que seus pais haviam experimentado na época do Nazismo, nasceu este livro inesquecível.
Markus destaca neste romance a importância das palavras em um dos momentos mais dolorosos já vividos pela Humanidade. Realmente, ao lado da protagonista, Liesel Meminger, e de seu companheiro de aventuras Rudy Steiner, brilham as palavras, personagens especiais deste enredo, sempre no centro da ação, nas entrelinhas ou na tessitura da narrativa. Palavras que constroem e destroem, que Liesel ama e odeia. As cores também se sobressaem nesta história que se passa na época do Nazismo, em plena Alemanha hitleriana, narrada por ninguém menos que a Morte, sob o ponto de vista desta e com seus comentários geniais intercalados à narrativa. Aliás, esta narradora tem um jeito bem peculiar de interpretar as lembranças de Liesel, gravadas em seu diário – na verdade um livro, no qual a menina se reconcilia com as palavras e grava a essência de sua existência, perdido durante a Guerra e resgatado pela Morte, que o traduz ao leitor.
Para a narradora, não importa saber o que vai ocorrer no final do romance, o mistério suspenso, mas sim o trajeto narrativo e toda a riqueza inerente a ele – os recursos estilísticos, a prosa poética, a magia oculta nas entrelinhas, a emoção e o humor inusitado que se revelam aqui e ali, as surpresas lingüísticas, as tiradas metanarrativas, muitas vezes irônicas, doadas ao leitor pelo autor, através de sua narradora. Desta forma, o escritor questiona a narrativa tradicional, os mecanismos estratégicos que geram e mantêm o suspense, até a solução final do enigma, os quais condicionam a história à resolução deste, desprezando muitas vezes o valor da narração, as riquezas que dela podem ser extraídas. O autor propõe aqui uma valorização do percurso, dos recursos narrativos, da apropriação da linguagem como o próprio núcleo do enredo.
Nesta obra, o autor, através da Morte, tenta provar a si mesmo e ao leitor que a vida, apesar de tudo, vale a pena. Ele se confronta com os fantasmas de seu próprio passado, presentes na trajetória de sua família durante o Nazismo.
Outras histórias dentro da história aparecem ao longo do enredo – as dos livros roubados pela Menina, as dos que ela ganha em seus aniversários, desde as narrativas inerentes ás obras até as que envolvem seu furto ou a forma como foram presenteados - cigarros trocados por livros, ou histórias escritas e pintadas em um livro como o "Mein Kampf" ("Minha Luta"), de Adolph Hitler. Cada uma destas estórias é um retrato a seu modo da Alemanha Nazista, e enriquece ainda mais a narrativa principal.

(Fonte: www.letraselivros.com.br)

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