CRÔNICA DA SEMANA
TRANSFORMAR LÁGRIMAS EM CANÇÃO
(Lília Diniz)
“Coração do homem-bomba faz tum-tum/ Até o dia em que ele fizer bum...”
Enquanto milhões celebravam a chegada do ano novo, perante as luzes dos fogos de artifício, o povo palestino contava “seus mortos” massacrados por Israel.
Por alguns instantes fiquei também encantada pensando na beleza das formas iluminadas, ali às margens do Rio Tocantins, na expectativa pelo show tão esperado de Zeca Baleiro, entretanto, o barulho da explosão dos fogos me levou novamente à Faixa de Gaza.
E se a profecia do poeta nos diz que é mais fácil cultuar os mortos que os vivos, que é mais fácil viver de sombras que de sóis, ou ainda que é mais fácil mimeografar o passado que imprimir o futuro, confesso que não foi fácil me concentrar e renovar minhas esperanças na humanidade.
Eu canto, danço, celebro a vida sem convencer nem a mim mesma... E quando menos espero, ele dispara: Se não eu? Quem vai fazer você feliz? GUERRA. E novamente vou eu à Faixa de Gaza. Penso nas mulheres e homens que sofrem pela estupidez de quem justifica o genocídio, como a moça que justifica, de modo simples, a cerveja derramada em minha blusa durante a canção “alma não tem cor”.
Quase nada me concentra por muito tempo. Tenho a memória de tudo que existe. Tudo que é triste.... Eu que vagueio entre as luzes do ano novo e o estrondo das bombas de Israel desconheço meus amigos e me pergunto: Eu já vi esse rosto antes? Nas sombras de outras luzes, eu já vi esse rosto antes? Esses olhos já me olharam?
Olho meu filho que contempla o palco sem mover sequer um passo, daqui pra lá, nem de lá pra cá. E lá vou eu, novamente à Gaza, pensar nas mulheres que olham seus filhos inertes, paralisados por bombas, estilhaçados por balas. Mortos!
Deixo-me levar pelos versos que teimosos me queimam a alma: mesmo na luz não há quem possa se esconder do escuro. Eu estou ali desnuda!
Nada basta à minha alma que reclama sem paz por um grito da humanidade. Humanidade que desfia discursos de esperança, desejando paz ao vizinho, defendendo a Amazônia, salvando espécimes em extinção, se preplexa perante as explosões artificiais e não explode seus reclames pelos corpos que são estilhaçados por bombas, pela Aids, pela fome...no Iraque, no Brasil, em Moçambique, na China...
Beijo meu amado, e de olhos fechados, vejo os beijos que não mais serão dados entre os amantes enamorados, apartados cruelmente.
Ouço as juras segradadas nalgum lugar em que eu nunca estive, sob chuvas de lágirmas e medos, sussurradas... -Eu sei que você tem medo de não dar certo. Eu quero que você não pense em nada triste, pois quando o amor existe não existe tempo pra sofrer...
E mesmo desabando minhas dores, quero lançar nas estrelas canções e poemas que reinventem a alegria, a esperança, o amor e a solidariedade, ainda que hoje eu só queira chorar como poeta do passado.
E quem sabe me encontro nalgum lugar aonde o amor restaura as chagas e segue restituindo a morte e o sempre cada vez que respirar, cada vez que o mundo acordar cantando, cada vez minha velha alma criar alma nova e queira voar pela boca e sair por aí.
terça-feira, 6 de janeiro de 2009
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