CRÔNICA DA SEMANA
CARTA
EXTRAVIADA
(Martha
Medeiros)
Não é da
minha natureza esperar que me deem liberdade, não espero pelo pouco que há de
essencial na vida. Sendo liberdade uma delas, eu mesmo me concedo. Ser livre
não me ensinou a amar direito, se por direito entende-se este amor
preestabelecido, mas me ensinou as sutilezas do sentimento, que, afinal, é o
que o caracteriza e o torna pessoal e irreproduzível. Te amo muito, até quando
não percebo. O amor que eu sinto pode parecer estranho, e é por isso que o
reconheço como amor, pois não há amor universal: não, caríssima. Não há um amor
internacional, assim como são proclamados os cidadãos do mundo. Cada cidadão,
um coração, e em cada um deles, códigos delicados. Se não é este o amor que
queres, não queres amor, queres romance, este sim, divulgadíssimo. Te amo
muito, e não sinto medo. Bela e cega, buscas em mim o que poderias encontrar em
qualquer canto, em todo corpo, homens e mulheres ao alcance de teus lábios e
dedos, romance: conhecido o enredo, é fácil desempenhá-lo. E se casam os
românticos, e fazem filhos e fazem cedo. O amor que sinto poderia gerar
casamento, pequenos acertos, distribuição de tarefas, mas eu gosto tanto,
inteiro, que não quero me ocupar de outra coisa que não seja você, de mim, do
nosso segredo. Te amo muito, e pouco penso. Esta carta não chegará, como não
chegarão ao seu entendimento estas palavras risíveis, estes conceitos que aos
outros soariam como desculpa de aventureiro ou até mesmo plágio, já que não há
originalidade na ideia, muito difundida, porém bastante censurada. Serei eu o romântico,
o ingênuo? Serei o que quiseres em teu pensamento, tampouco me entendo, mas
sinto-me livre para dizer-te: te amo muito, sem rendimento, aceso, amor sem
formato, altura ou peso, amor sem conceito, aceitação, impassível de
julgamento, aberto, incorreto, amor que nem sabe se é este o nome direito,
amor, mas que seja amor. Te amo muito, e subscrevo-me.
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