terça-feira, 16 de março de 2010

CRÔNICA DA SEMANA


UM TRISTE RELACIONAMENTO
(Tais Luso de Carvalho)

Pois é, existem pessoas que já nascem com cara de festa, e seguem festeiras pelo resto da vida. É o caso da minha amiga Janaína, bonita, olhos verdes, e com aquele jeito de mulher 'eu me basto'.
Tudo aconteceu por volta de seus 45 anos. Lembro que seu primeiro casamento foi por amor, eu acompanhei, éramos bem próximas. Do segundo não lembro muito, estávamos um pouco distanciadas. Mas, após o primeiro casamento ela não pensava mais em compromissos sérios, queria apenas curtir a vida. Nada de amarrações.
Lembro que gostava de ler Dostoiewsk, Saramago, Dürrenmatt... Bom gosto tinha a guria. E sua admiração era por homens intelectuais, que curtissem cinema, teatro, artes... Mesmo assim, volta e meia saía com a gurizada. Talvez para abrandar a sua vida meio solitária.
Certo dia conheceu André: um homem inteligente e sensível, mas longe de ser um intelectual, era apenas bem informado. Seu hobby era cuidar de seu sitio, de seus animais e de suas orquídeas. Geralmente quando um homem cuida de flores já é um indício de sensibilidade.
Desse encontro nasceu uma sólida amizade e, por parte dele, transformou-se num amor sereno e intenso: um sentimento que não exigia trocas, ele queria, apenas, estar junto e compartilhar a vida com Janaína.
O relacionamento, meio que morno, conseguiu chegar ao terceiro ano. Volta e meia ela desaparecia, inventava uma viagem, sozinha. Lembro que ela me escrevia do exterior, contando um pouco de suas maluquices. Lembro, também, do meu esforço para não dar palpites, uma vez que não concordava com certas coisas. Isso nos afastou um pouco. Não que eu fosse careta, mas apenas não gostava de presenciar certas ‘desordens’.
Numa tarde, nublada e fria, Janaína foi ao correio. E lá estava um rapazote que lhe chamou a atenção por ter o rosto muito parecido com o de André. Porém um rosto com expressão de dor. De súbito - contou-me -, foi tomada por uma sensação estranha. Saiu intrigada, com um certo mal-estar e com náuseas.
Chegando em casa, um recado dependurado em sua porta dizia que André estava hospitalizado. Aquilo a intrigou; quem teria dependurado aquilo? Por que não telefonaram para o seu celular? E com o coração meio que descompassado dirigiu-se ao hospital. Chegou tarde; André já não estava mais presente: aos cinquenta e quatro anos seu coração desistiu de viver. E não contou tempo para despedidas. Talvez, acredito, a vida lhe poupou das dores e lhe deu o direito de morrer em paz.
Fui ao encontro de Janaína. Para ela estava difícil de acreditar que André não estava mais presente; que não estaria mais presente para ler seus jornais, suas revistas e vibrar com seus filmes policiais e suas comédias-pastelão; que não estaria mais ali para continuar amando-a intensamente. Mas, agora, era tarde. Nada mais a fazer com seus sentimentos miseráveis. O que conseguiu foi entrar num processo de depressão.
Um ano se passou. Em dezembro, finalmente, ela pode visitar o túmulo de André – e, a seu pedido, fui com ela. Levou orquídeas brancas. Ajoelhou-se, e pela primeira vez sentiu que precisava conversar com ele: contou-lhe de sua solidão, de sua angústia e da saudade que estava difícil de suportar. Lembrou do pouco que André exigia; lembrou de seus jornais, de seus filmes... E lembrou que seu companheiro nunca havia feito exigências; e que também nunca foi feliz ao lado dela.
E ali, ao lado de seu túmulo - onde tudo acaba e todos se tornam iguais -, declarou o seu amor... Deu-se conta como eram verdadeiras as atitudes de André. E aprendeu com ele que amar é aceitar as diferenças, coisa do qual ela se esquecera. Deslizou sua mão sobre a fria lápide, num consternado pedido de perdão...
Quero esquecer daquele ano de 2004; e também de Janaína - mesmo porque seu nome nunca foi Janaína...

Nenhum comentário:

Postar um comentário