quarta-feira, 30 de junho de 2010

CRÔNICA DA SEMANA

TERRA MOLHADA
(J. Carino)

Incomparável. Nada existe como o cheiro da terra molhada pelos pingos da chuva num dia de verão. Nesses momentos, o sentido olfativo é uma bênção. Animais humanos, somos nesses instantes absolutamente telúricos, gostosamente imersos no cheiro que nos penetra.
Se andando na chuva, é possível sentir o toque sutil das pérolas cristalinas que tocam nosso corpo; se abrigados, sobrevém uma vontade irresistível de ver a chuva, que nos chama tamborilando na vidraça.
É gostoso contemplar a terra cálida, ainda nostálgica do sol, receber em seu seio, e absorver, as gotas frias de água que tombam do céu - canteiro molhado por um deus-jardineiro caprichoso.
Olhando com atenção a terra, é possível ver que, no contato com o solo, o líquido, sofrendo milagrosa metamorfose, transforma-se em nuvenzinhas brancas muito sutis, que escapam em direção ao céu, no eterno círculo onde nada se perde.
O ar, saturado do perfume inconfundível surgido da fusão de água e terra, fica gostoso de sorver. E parece que tudo esperava esse presente líquido-terroso: a superfície rugosa da madeira; as dobras elegantes dos tecidos; o pêlo sedoso dos animais; a superfície negra do asfalto aquecido; a rigidez do concreto; o cabelo brilhante das mulheres; a maciez do capim...
Há um limite para esse momento de pura magia. A chuva deve ser rápida, quase tanto quanto um beijo roubado. Durando demais, encharca tudo, entranha-se na terra, alaga, afoga - subjuga coisas e gente na umidade, parecendo tudo liquefazer: do barro antes orgulhoso de sua dureza à própria alma dos seres humanos, que parece mergulhar em tristeza ao mesmo tempo em que sente um mundo mergulhado em chuva.
Cessado o bombardeio dos cristais translúcidos - as gotas de chuva -, permanece, por um tempo nas narinas e mais tempo na memória, esse cheiro de terra molhada, esse odor inconfundível, essa fragrância única - perfume singular, aroma inigualável que parece, a cada vez, acumular-se em diminuta quantidade no frasco de nossa alma.
Passado o momento mágico, tudo em volta se modifica: o ar fica mais límpido; a nitidez com que podemos ver o mundo se acentua; as cores tornam-se vívidas, aguçando os contrastes entre tons antes apenas sutilmente divisados.
Pobres espectadores diante do milagre que se repete, nada há que fazer. Resta-nos apenas viver, e sair talvez assoviando uma canção...

Fonte: www.almacarioca.com.br

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