terça-feira, 25 de maio de 2010

O MELHOR DA POESIA BRASILEIRA


OS OMBROS SUPORTAM O MUNDO
(Carlos Drummond de Andrade)

Chega um tempo
em que não se diz mais: meu Deus!
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta,
não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos
resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice,
que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais
que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes,
as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.


FAZIMENTO DE POUCO
(Lília Diniz)

Os versos
que se achegam a mim
têm sabedoria de jabuti
não me poupam de nada
nem da aspereza
das metáforas lerdas
que passeiam
em palavras rasteiras
senhoras de si

Ignorando
minha incapacidade
dão o mote
e se vão

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