quarta-feira, 5 de maio de 2010

O MELHOR DA POESIA BRASILEIRA



ÚLTIMO SONETO
(Álvares de Azevedo)

Já da noite o palor me cobre o rosto,
Nos lábios meus o alento desfalece,
Surda agonia o coração fenece,
E devora meu ser mortal desgosto!



Do leito, embalde num macio encosto,
Tento o sono reter!... Já esmorece
O corpo exausto que o repouso esquece...
Eis o estado em que a mágoa me tem posto!

O adeus, o teu adeus, minha saudade,
Fazem que insano do viver me prive
E tenha os olhos meus na escuridade.

Dá-me a esperança com que o ser mantive!
Volve ao amante os olhos, por piedade,
Olhos por quem viveu quem já não vive!


SONETO
(Arnaldo Antunes)

O mal estar que exala quem discorda
Porque não sente quase ou não entende
Concorda bem com o de quem assente
Sem romper a casca, e não acorda.

Somente se distar de estar de frente
Distrai a sua mente da derrota.
Distante como diante de uma porta
Destrói na letra preta o branco ausente.

A vida do sentido o incomoda —
Vigor de ponta a ponta da serpente
Que o branco ovo a cada dia lota.

Suporta, não se importa ou então mente,
Não compreende o que o prende à borda —
O ouro da palavra, um acidente.

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