sexta-feira, 26 de agosto de 2011

CRÔNICA DA SEMANA

A MELHOR CASA DO MUNDO
(Fernanda Pinho)

O que eu faço da vida? Definindo simploriamente, escrevo sobre casas. Apartamentos triplex, puro mármore carrara, com vista para a Lagoa Rodrigo de Freitas. Mansões sustentáveis com telhados verdes, referência arquitetônica em Cingapura. Moradas espanholas esculpidas em concreto, praticamente obras de arte contemporânea. Lofts californianos, ousadia em layout, mobiliário e design.
Escrevo com honestidade, gosto do que faço e, obviamente, sempre que abro o material fotográfico, a primeira coisa que me passa pela cabeça é “ah, se eu morasse nessa casa”. Mas não passa de um suspiro. Não chega a ser uma ambição nem ao menos um desejo. Não sou de muitas pretensões. Sou de uma pretensão única: ser feliz. E, sabe, eu consigo ser feliz na minha própria casa. Pode parecer romântico, ingênuo ou até forçado o que eu vou dizer, mas eu realmente acredito que o que faz de uma casa um lar não é o material que a construiu, mas os sentimentos que a mantém erguida. A intimidade que temos com a casa é proporcional à cumplicidade que temos com as pessoas que moram conosco.
A fachada do meu prédio não é revestida de granito negro universo. Minha sala não tem pé-direito duplo. Não tenho vista para a Serra do Curral. Não há uma adega climatizada embaixo da escada, nem lareira, nem banheira. E nada disso impede que seja o único lugar em todo esse planeta onde eu me sinto verdadeiramente tranquila, confortável e segura. Pois eu sei que a tesoura está sempre na primeira gaveta do banheiro. Que se eu abrir muito a torneira do tanque, o fluxo de água da pia da cozinha vai diminuir. Que a lampadazinha do corredor ficou sete anos queimada. Que no chaveiro de metal não tem chave que abre o portão. Que as fotos ficam nas caixas de sapato entulhadas no maleiro da estante da salinha de TV. Que o tapete da sala foi feito pela minha mãe. Que só sentamos à mesa de jantar se houver visita. Que se a visita for muito importante, a mesa será coberta com o forro de linho branco. Que os enfeites de natal estão numa caixa, na estante da sala. Que as ferramentas estão numa maletinha preta e os esmaltes numa maletinha rosa. Que o telefone da pizzaria preferida está na primeira página da agenda, e não na letra P. São banalidades, mas são as nossas banalidades. Me solta em qualquer outra casa do mundo e eu não saberei onde procurar uma tesoura. E nem quero saber. Minha tesoura está aqui. E meus tesouros também.

Fonte: Crônica do Dia

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