CRÔNICA DA SEMANA
UM CHICLETE PARA
ENGANAR A FOME
(Carlos Delano
Rebouças)
Em plena década de 80,
por dificuldades imensas passava Carlinhos e seus quatro irmãos, mãe e pai,
desempregados, sofridos, estes, sem condições para sequer alimentar a sua
família. Coitados... Eram somente mais uma família brasileira dentre tantas
outras daquele Brasil de meu Deus, que não conseguiam ver uma luz no fim do
túnel, escuro, sob a penumbra de um militarismo dominante, que comandava a
nação.
Um dia, Carlinhos se
dirigiu a sua mãe e baixinho perguntou: “Tem alguma coisa para comer”?
Já passava do meio-dia
e sequer tinha feito uma refeição no dia. Estava faminto aquele garoto de 12
anos, raquítico, magrelo, e pálido, que mais parecia um menino de 06 anos de
idade.
Quando seu pai ouviu o
clamor do filho pródigo, sem ter muito a oferecer, deu-lhe una goma que ganhara
como parte do troco de um cigarro comprado, dizendo: “Mastigue, mas não engula.
Depois tome um copo d´água e vá deitar-se, que a fome passa”.
Assim o pobre menino
fez, obedecendo às ordens do pai e sem dizer nada aos irmãos, que se
encontravam na mesma condição. A princípio, mostrou-se feliz por está mascando
um chiclete por inteiro, quando no máximo, ganhava um minúsculo pedaço de seus
amigos, de condições mais favoráveis. Aqueles filhos de pais mais abastados da
vizinhança.
Eram os mesmos garotos
que lhe cediam suas roupas perdidas, muitas vezes rasgadas, mas muito bem
recebidas, como se fossem novas, saídas da loja.
Carlinhos não largou
aquele chiclete. Mascava-o incessantemente, até que o mesmo já estava
esbranquiçado, perdendo totalmente a sua cor e o doce originais, mas que nada
impedia a volúpia daquele carente menino.
O sono chegou e seu
maxilar já estava cansado de tanta mastigação. Seu estômago, também cansado, de
esperar a queda de alguma coisa, de onde só vinha saliva e nada mais. Sua fome estava
enganada temporariamente, e o menino, exaurido, caído na sua rede furada, num
sono profundo, ainda teve tempo para sonhar com dias melhores, e neste sonho,
tudo estava superado, sem fome a passar com sua família. Assim contou
posteriormente a todos.
Pena que Carlinhos não
demoraria a acordar e a realidade mostraria a sua face real e verdadeira. Pena,
também, que seu pai não teve mais chicletes para oferecer aos outros irmãos,
esposa e a si mesmo. Todos ficaram invejosos com o sono profundo de Carlinhos.
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