terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

UM DEDO DE PROSA

PUNIÇÃO
AOS INFRATORES
(Joésio Menezes)

A exemplo de muitos outros cidadãos honestos, fui condenado à prisão em minha própria casa - cujas grades estão por toda parte – pelos crimes de respeito às leis (ainda que discordando de algumas delas) e à ordem pública, pagamento em dia dos Impostos que me são impostos e porte ilegal da honestidade, que há anos põe em risco a integridade moral dos nossos políticos.
            Tal punição me foi merecidamente sentenciada em benefício da segurança dos Delinquentes Juvenis que, amparados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e por órgãos ligados aos Direitos Humanos, precisam de mais liberdade para cometerem “pequenos” delitos, os quais destinam-se ao seu sustento e, principalmente, à sua diversão.
            Posso estar equivocado, mas dependendo do nosso bom comportamento, poderemos ter nossas penas mudadas para o regime semi-aberto, em que poderemos sair durante o dia para trabalharmos, garantindo a esses Pequenos Delinquentes o direito à caça de novas vítimas de assaltos, estupros, espancamentos ou homicídios, direito que lhes fora garantido pelo ECA e endossado pelos Direitos Humanos, que veem nesse merecido privilégio a garantia de esses garotos se tornarem traficantes de armas e drogas bem-sucedidos, com possibilidade de chegarem, inclusive, ao cargo de Chefes do Tráfico ou – quem sabe? - a um cargo político.
            E nada podemos fazer (nem devemos) para impedir que essas “crianças” – postulantes à patente de “Bandido de Alta Periculosidade” - consigam chegar lá, pois isso é direito delas, adquirido (e já garantido) por lei. E se é lei, quem a infringir merece ser severamente punido.
MEUS VERSOS LÍRICOS

À MERCÊ DO TEMPO
(Joésio Menezes)

Queiramos ou não isso aconteça,
O Tempo nos leva a sã mocidade
E faz vulneráveis nossas cabeças
Aos lapsos oriundos da idade.

E por mais lastimável nos pareça
A chegada da tal senilidade,
Antes que o Tempo nos enlouqueça
Aceitemo-la com sobriedade.

Encaremo-la sem medo da sorte
De envelhecermos jovens e saudáveis
Antes que cedo nos chegue a morte.

E se cedo a morte não nos buscar,
Que nos sejam ao menos suportáveis
Os males senis que hão de chegar.


DE TODAS AS FORMAS
(Joésio Menezes)

Inda que tu não mais me queiras,
Te quererei de qualquer jeito...
“Te amarei de todas as formas”
E esconderei dentro do peito
O mais insano dos desejos,
Pois dentre tudo o que almejo
És o meu sonho mais perfeito.

Inda que não me tenhas mais
Em teu volúvel coração,
Não me entregarei à tristeza
Nem serei refém da solidão,
Pois buscarei a companhia
Dos versos da amiga poesia,
Que nunca me deixou na mão.

E por mais desprezo me tenhas,
Não me deixarei abater...
Buscarei, de todas as formas,
Do meu amor te convencer.
E se não forem convincentes
Meus argumentos insistentes,
O jeito será te esquecer.
O MELHOR DA POESIA BRASILEIRA

DANÇA DO VENTRE
(Cruz e Sousa)

Torva, febril, torcicolosamente,
numa espiral de elétricos volteios,
na cabeça, nos olhos e nos seios
fluíam-lhe os venenos da serpente.

Ah! que agonia tenebrosa e ardente!
que convulsões, que lúbricos anseios,
quanta volúpia e quantos bamboleios,
que brusco e horrível sensualismo quente.

O ventre, em pinchos, empinava todo
como réptil abjecto sobre o lodo,
espolinhando e retorcido em fúria.

Era a dança macabra e multiforme
de um verme estranho, colossal, enorme,
do demônio sangrento da luxúria!


SE TE AMO, NÃO SEI!
(Gonçalves Dias)

Amar! se te amo, não sei.
Oiço aí pronunciar
Essa palavra de modo
Que não sei o que é amar.

Se amar é sonhar contigo,
Se é pensar, velando, em ti,
Se é ter-te n'alma presente
Todo esquecido de mim!

Se é cobiçar-te, querer-te
Como uma bênção dos céus
A ti somente na terra
Como lá em cima a Deus;

Se é dar a vida, o futuro,
Para dizer que te amei:
Amo; porém se te amo
Como oiço dizer, — não sei.
CRÔNICA DA SEMANA

O COVEIRO, A SOLIDÃO
E O SILÊNCIO
(Aline Menezes)

Há coisas que só fazem sentido no depois, porque no agora somos absorvidos de tal forma pela vida que nos tornamos incapazes de perceber o movimento da existência entre nós. A vida que segue parece nos conduzir para o nada, um nada tão cheio de dúvidas e inquietações... Um nada que existe, que se aproxima da esperança ou da experiência dos cadáveres.
Estou sob o efeito da vida. Perambulo na agonia de um fardo, um fardo que carrego conscientemente. Arrasto-me até o horário em que não consigo mais enxergar uma saída... Encontro-me, também, completamente anestesiada, às vezes, talvez embriagada e entorpecida por um peso que já não suporto mais levar adiante. São muitas lembranças e muitas memórias acolhidas numa só vida, numa só alma solitária. Num corpo que teima.
Afasto-me vagarosamente dos sons das ruas, das vozes de dentro de casa, do barulho que lateja na minha cabeça. Minha tentativa de me embrulhar no silêncio fracassa a cada momento em que - de olhos abertos - vejo como as pessoas andam, sinto o que elas expressam, observo como se comunicam, como não se amam, como se disfarçam... fantasiadas, elas se revelam na frente do meu jeito atento de escutá-las.
O coveiro: única imagem coerente neste cenário tão particular que acabo de criar para aqueles que me leem, que tentam interpretar um mundo que não os pertence. O coveiro: cercado de sonhos hoje apodrecidos, amores proibidos, sentimentos intraduzíveis... O coveiro: personagem igualmente consumido pela solidão, pelo silêncio daqueles que já não respiram mais, não sentem o cheiro das flores amarelas, tampouco sentem o esvair-se da própria vida...
... mas estou aqui, ainda que longe dos olhares do coveiro, sinto-me tão perto do silêncio dos mortos.