O BEIJO
(Joésio Menezes)
Naquela
manhã eu estava sorumbático, de mal com a vida, com o mundo e comigo mesmo.
Sentia-me o pior dos seres, a mais desprezível das criaturas.
Cabisbaixo
eu caminhava pela calçada, quando de repente um rapaz segurou fortemente meus
braços e beijou-me a face. Foi um beijo demorado, afetuoso, sincero, úmido...
Enquanto ele beijava-me, eu permanecia inerte e à minha mente vinha o ósculo de
Judas em Jesus.
Desesperadamente
uma moça, puxando-o pelo braço, ordenava-o que me deixasse em paz. Foi quando
percebi que estava em frente a uma escola para Portadores de Necessidades
Educacionais Especiais e que aquele amável beijoqueiro era um portador da
Síndrome de Down. Disse, então, àquela moça que não se preocupasse, pois o que
fazia o rapaz não me tiraria pedaço algum, tampouco me incomodava.
Ao
largar-me, presenteou-me com um sorriso desdentado, porém tão sincero quanto o
beijo que acabara de dar-me, tão meigo quanto o seu olhar, tão puro quanto ele
próprio.
Novamente
fiquei inerte e, à distância, observava aquele rapaz que, na companhia de
outros jovens com a mesma síndrome, fazia sua caminhada matinal seguido por
algumas monitoras. À medida que se distanciava, observei que o jovem
alegremente cumprimentava todos que passavam por ele, no entanto, ninguém mais
ele beijou. Senti-me, então, lisonjeado e aquele sentimento de desprezo para
comigo mesmo começava a esvair-se de mim.
Durante
o restante do dia não pensava noutra coisa, senão naquele beijo. Não era um
beijo qualquer, mas um beijo com a força de nos fazer superar os problemas que,
às vezes, nós mesmos criamos; um beijo que mudaria (e para melhor) o meu dia, o
meu estado de espírito, a maneira de tratar as pessoas à minha volta.
O gesto daquele jovem me fez parar para
refletir e perceber o quanto um beijo pode nos fazer tão bem, mesmo que ele
seja dado por um desconhecido, por uma pessoa do mesmo sexo.
Aquele
rapaz, que aparentemente tinha pouco a nos oferecer, carregava em seus ombros
mais problemas que muitos de nós, ditos “normais”, devido à rejeição e ao
preconceito impostos pela sociedade, mas mesmo assim mostrava-se feliz e capaz
de doar a um estranho o que possuía de mais valioso: o amor ao próximo, o qual
revelou-se por meio daquele beijo afetuoso, sincero, úmido...